A declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) é um compromisso anual para milhões de brasileiros.
Para muitos, ela já é um desafio, mas o nível de complexidade aumenta significativamente quando o contribuinte possui investimentos.
O “medo” de errar, cair na malha fina ou perder dinheiro por falta de conhecimento é real.
No entanto, declarar seus investimentos corretamente é crucial não apenas para cumprir a lei, mas para provar a origem do seu patrimônio e evitar problemas futuros com a Receita Federal do Brasil.
Este guia completo irá desmistificar o processo, explicando passo a passo como declarar os diferentes tipos de investimentos mais comuns no Brasil.
Com organização e as informações corretas, você verá que essa tarefa pode ser mais simples do que parece, garantindo sua tranquilidade fiscal.
Quem É Obrigado a Declarar o IRPF (e, consequentemente, Seus Investimentos)?
Mesmo que o foco seja a declaração de investimentos, é importante lembrar que a obrigatoriedade de entregar a declaração do IRPF se baseia em diversos critérios.
Você será obrigado a declarar se, no ano-calendário, por exemplo:
- Recebeu rendimentos tributáveis (salário, aposentadoria, aluguéis) acima do limite estabelecido pela Receita.
- Recebeu rendimentos isentos, não tributáveis ou tributados exclusivamente na fonte (como rendimentos de LCI/LCA ou ganhos de capital em FIIs) acima de determinado limite.
- Teve a posse ou a propriedade de bens ou direitos (incluindo investimentos) com valor total superior a R$ 300.000,00.
- Obteve ganho de capital na venda de bens ou direitos sujeitos à incidência do imposto, ou realizou operações em bolsas de valores, de mercadorias,1 de futuros e assemelhadas2 (seja Day Trade ou venda de ações acima de R$ 20.000 em qualquer mês, mesmo que isentas).
Por Que Declarar Investimentos É Crucial?
Declarar seus investimentos corretamente é vital por várias razões:
- Evitar a Malha Fina: A Receita Federal cruza informações de diversas fontes (bancos, corretoras, empresas). Qualquer inconsistência entre o que você declara e o que as instituições informam pode levar sua declaração para a malha fina, resultando em atrasos na restituição e, em casos de erro, multas.
- Comprovar a Origem do Patrimônio: Ao declarar seus investimentos anualmente, você constrói um histórico patrimonial. Isso é essencial para justificar o aumento do seu patrimônio ao longo do tempo, evitando questionamentos da Receita sobre a origem dos seus bens.
- Regularizar a Situação Fiscal: Garante que você está em dia com suas obrigações tributárias, evitando problemas futuros e permitindo o acesso a serviços como empréstimos e financiamentos.
A Base da Declaração: Informes de Rendimentos
A espinha dorsal da sua declaração de investimentos são os informes de rendimentos. Essas são as informações oficiais que as instituições financeiras (bancos, corretoras, administradoras de consórcios, etc.) enviam à Receita Federal e também disponibilizam a você.
- Quem Fornece: Cada instituição onde você possui conta ou investimento (seu banco, sua corretora de valores, a administradora do seu plano de previdência privada, etc.) enviará um informe.
- Prazos para Recebimento: Geralmente, os informes são disponibilizados até o último dia útil de fevereiro do ano da declaração.
- Onde Encontrar: Eles costumam estar disponíveis no aplicativo ou internet banking da sua instituição, na seção de “Informes de Rendimentos” ou “Imposto de Renda”. Guarde-os digitalmente e, se preferir, imprima.
Categorias de Rendimentos e Bens: Onde Declarar Cada Coisa
A declaração de investimentos envolve principalmente duas grandes fichas no programa da Receita Federal: “Bens e Direitos” (para o saldo dos seus investimentos) e as fichas de “Rendimentos” (para os lucros obtidos).
1. Rendimentos Sujeitos à Tributação Exclusiva/Definitiva
São os rendimentos sobre os quais o imposto já foi retido na fonte (geralmente pelo banco/corretora) e não há ajuste na declaração anual.
Aplicações de Renda Fixa (CDB, Tesouro Direto, RDB, Letras de Câmbio, etc.):
- Rendimentos: Declare na ficha “Rendimentos Sujeitos à Tributação Exclusiva/Definitiva” (código 06 – Rendimentos de aplicações financeiras). Os valores estarão no seu informe.
- Posição (Saldo): Declare o valor em “Bens e Direitos”. Para CDB/RDB/LC/LCA, use o código 45 – “Aplicação de Renda Fixa (CDB, RDB e Outros)”. Para Tesouro Direto, use o código 42 – “Aplicações de Renda Fixa (CDB, RDB e Outros)” ou 49 – “Outras aplicações e investimentos”. Informe o CNPJ da instituição e os saldos em 31/12 do ano anterior e 31/12 do ano da declaração.
Fundos de Investimento (exceto FIIs):
- Rendimentos: Declare na ficha “Rendimentos Sujeitos à Tributação Exclusiva/Definitiva” (código 06 – Rendimentos de aplicações financeiras).
- Posição3 (Saldo): Declare em “Bens e Direitos”. Para Fundos de Renda Fixa/Multimercado, use o código 72 – “Fundo de Investimento”. Para Fundos de Ações, use o código 74 – “Fundo de Ações, Fundos Mútuos de Privatização, Fundos de Investimento em Empresas Emergentes, Fundos de Investimento em Participação e Fundos de Investimento4 em Cotas de Fundos de Investimento”.
2. Rendimentos Isentos e Não Tributáveis
São ganhos que a legislação prevê que não há incidência de imposto.
LCI (Letra de Crédito Imobiliário) e LCA (Letra de Crédito do Agronegócio):
- Rendimentos: Declare na ficha “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis” (código 12 – Rendimentos de cadernetas de poupança, letras hipotecárias, letras de crédito do agronegócio e imobiliárias5 (LCA e LCI) e certificados de recebíveis6 imobiliários e do agronegócio (CRI e CRA)).
- Posição (Saldo): Declare em “Bens e Direitos” (código 45 – Aplicação de Renda Fixa (CDB, RDB e Outros) ou 49 – Outras aplicações e investimentos).
Dividendos e Lucros Distribuídos de Ações e FIIs:
- Rendimentos: Declare na ficha “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis” (código 09 – Lucros e dividendos recebidos).
- Posição (Saldo das Ações/Cotas):
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- Ações: Ficha “Bens e Direitos” (código 31 – Ações). Informe o custo de aquisição.
- FIIs: Ficha “Bens e Direitos” (código 73 – Fundos de Investimento Imobiliário). Informe o custo de aquisição.
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Ganho Líquido em Operações de Ações (Venda Mensal de Até R$ 20.000):
- Se a soma das suas vendas de ações em um mês for inferior a R$ 20.000,00, o lucro obtido nessas vendas é isentos.
- Rendimentos: Declare na ficha “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis” (código 20 – Ganhos líquidos em operações no mercado à vista de ações negociadas em bolsas de valores nas alienações7 realizadas até R$ 20.000,00, em cada mês, para o conjunto de ações).8
- Atenção: Essa isenção não se aplica a Day Trade (compra e venda no mesmo dia), que sempre é tributado.
3. Rendimentos Sujeitos à Ajuste Anual (Renda Variável)
São os ganhos que você deve apurar e, se for o caso, pagar o imposto mensalmente através de um DARF. Na declaração anual, você apenas consolida essas informações.
Ações e BDRs (Day Trade e Vendas Acima de R$ 20.000):
- Apuração Mensal: Ganhos e perdas devem ser apurados mensalmente pelo próprio contribuinte.
- DARF: Se houver lucro tributável (vendas acima de R$ 20.000 no mês ou qualquer Day Trade), o imposto deve ser pago até o último dia útil do mês seguinte à venda.
- Alíquota: 15% para operações comuns, 20% para Day Trade.
- Declaração Anual: Utilize a ficha “Renda Variável – Operações Comuns/Day Trade” para informar os resultados mensais (lucros ou prejuízos). Preencha o campo “Prejuízo a Compensar” se tiver perdas.
- Posição (Saldo): As ações em custódia em 31/12 devem ser declaradas em “Bens e Direitos” (código 31 – Ações), informando a quantidade e o custo de aquisição.
Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs):
- Rendimentos: Os dividendos (rendimentos mensais) são isentos para pessoa física, desde que o FII seja negociado em bolsa e tenha mais de 50 cotistas. Declare na ficha “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis” (código 09).
- Ganho de Capital na Venda: O lucro na venda de cotas de FIIs é sempre tributado em 20%, sem a isenção dos R$ 20.000 das ações. Você deve apurar o lucro mensalmente e gerar o DARF.
- Declaração Anual: Informe o ganho na ficha “Renda Variável – Operações com FII”.
- Posição (Saldo): As cotas de FIIs em 31/12 devem ser declaradas em “Bens e Direitos” (código 73 – Fundos de Investimento Imobiliário), informando a quantidade e o custo de aquisição.
Criptoativos (Criptomoedas, NFTs, Tokens):
- Posição (Saldo): Declare em “Bens e Direitos”. Use os códigos específicos conforme o tipo: 81 – Criptoativo Bitcoin, 82 – Outros criptoativos (Altcoins), 83 – NFT (Non-Fungible Tokens), 89 – Demais criptoativos. Informe a quantidade, tipo e o custo de aquisição em reais.
- Ganhos de Capital na Venda:
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- Vendas até R$ 35.000 no mês: Isentas. Declare o lucro na ficha “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis” (código 05 – Ganho de capital na alienação de bens ou direitos ou conjunto de bens ou direitos de pequeno valor, cujo valor de alienação em BRL no mês seja de até R$ 35.000,00).
- Vendas acima de R$ 35.000 no mês: Tributadas. O lucro é apurado no Programa GCap (Ganho de Capital), e o DARF deve ser pago no mês seguinte. Após a apuração, importe os dados para a ficha “Rendimentos Sujeitos à Tributação Exclusiva/Definitiva” (código 05 – Ganhos de capital na alienação de bens e direitos).
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DARF: O Imposto de Renda Mensal da Renda Variável
A maior diferença da Renda Variável (ações, FIIs, cripto acima de R$ 35.000) é que o imposto não é pago apenas na declaração anual.
Ele é apurado e pago mensalmente através do DARF (Documento de Arrecadação de Receitas Federais).
- Quando Pagar: Se você teve lucro tributável em um mês, o DARF deve ser pago até o último dia útil do mês subsequente ao da venda.
- Como Calcular e Gerar: Você deve calcular seu lucro (preço de venda – custo de aquisição – taxas/corretagem), aplicar a alíquota (15% ou 20% para ações/FIIs), e gerar o DARF pelo programa Sicalc Web ou Sicalc AA da Receita Federal.
- Atenção ao “Dedo-Duro”: Para operações com ações, existe um IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte) de 0,005% (operações comuns) ou 1% (Day Trade) sobre o valor da venda. Esse valor é descontado pela corretora e serve como uma “antecipação” do seu imposto, ou como um “dedo-duro” para a Receita. Ele pode ser compensado no cálculo final do DARF.